Saturday, March 24

Punakaiki - Berlins; 74,8kms

Marco 24

O tempo continua perfeito, e hoje ha vento de sul para ajudar! Continuei a seguir a estrada da costa em cima do mar, esplendorosa com a bruma ofuscante no sol ainda baixo. Hoje porem, tanta beleza tinha preco na forma de um percurso muito mais acidentado com imensas subidas bastante ingremes que me arrebentaram completamente com a media! Mas que valeu a pena, valeu :)



Inevitavelmente, cheguei ao ponto onde tive de virar a direita e comecar a subida do vale do rio Buller que me vai levar quase ate a costa norte onde conto "aterrar" em Nelson, uns 250 kms depois de deixar Westland.


E um vale bonito, muito verde mas nao sei porque ja nao me faz uma impressao "tropical". Se calhar sao as montanhas de relevo abrupto que rapidamente se comecam a aproximar. Mais uma vez, mesmo a ritmo de pedalada, a paisagem mudou como que instantaneamente de costa selvagem para montanha florestada. O rio a este nivel ja corre com forca, mas ainda esta verde e sem rapidos.

Cruzo-me com um senhor de idade a descer em sentido contrario, tambem de bicicleta carregada. Nao contente com a habitual troca de cumprimentos ciclisticos em andamento, atira-se para a minha faixa, atravessa a bicicleta a minha frente e obriga-me a parar. O alemao reformado quer mais conversa e trocamos relatos e informacoes sobre o que cada um tem pela frente e finalmente la me deixa continuar a minha subida.

Durmo num bar manhoso em cima da estrada. Nao ha escolha, tenho 75kms dificeis nas pernas e nao estou prestes a mais 60 ou 70 a subir ate a proxima aldeia.

E ainda por cima, tiveram a lata de afixar o seguinte na porta:



Friday, March 23

Hokitika - Punakaiki; 84,3kms

Marco 23

Nao tinha forma de saber, mas este foi o dia que me fez vir ao West Coast. Que dia.




Logo de manhazinha, ja estava sol e uma leve aragem de Sul, finalmente. Arranquei que nem um foguete para aproveitar ao maximo antes que se estragasse, e cheguei a Greymouth, quase 4okms, em menos de duas horas!

Como o nome sugere, trata-se de uma vila maioritariamente cinzenta, mesmo com nesta manha radiosa, excepto o cafe onde paro que estava pintado de verde lima berrante. Um excelente latte e um melhor e colossal brownie, e ja tinha calorias para me chegar ate Wellington :)



Comecou ai a mais bonita estrada de costa que se pode imaginar. Eu tinha visto fotografias mas ao vivo e melhor, e era tudo como imaginava. recortada por falesias, rebentacao tripla, com rochedos enormes e falesias cobertas de vegetacao. So tenho pena que a bruma no ar, e a minha falta de jeito, tenha feito com que nao conseguisse fotografias que facam justica a paisagem.



Umas horas mais a frente, um ponto de venda de gelados coincidia, nao por acaso, que os Kiwis sao muito profissionais na extraccao do dolar turistico, com as "Pancake Rocks". Nao me fizeram nada pensar em panquecas, e eu penso facilmente em panquecas, mas eram lindas mesmo assim. Uma zona de formas complexas em rocha muito estratficada em camadas muito finas, ca para mim mais para o lado da massa folhada.



Dormi num backpacker que talvez tenha sido o mais interessante, bonito e agradavel de todos. Tinham uma serie de pequenas casas de madeira em andas literalmente enterradas na floresta. Estamos a falar de floresta impenetravel, o acesso faz-se por caminhos em tuneis mantidos na vegetacao, com pequenos candeeiros no chao para iluminar. So se ve o "poiso" quando se chega a porta, e nao ha forma de ver ou ouvir as outras casas. Genial estar na varanda, um deck suspenso no ar, com os fetos a invadirem e a quase a sentir o aperto das arvores.


Passei um serao simpatico a aprender sobre os aborigenes australianos com um australiano que trabalha com eles numa area enorme num raio de 1000kms a volta de alice Springs. Aprendi mais numa noite do que numa vida de ver documentarios. Sobre a visao do mundo e existencia que evoluiram naquele ambiente terrivel. Percebi melhor a total inadaptacao ao mundo ocidental, nao so do seculo XXI mas provavelmente varios mais anteriores, da sua forma de ser, personalidade, cultura e valores. Nao admira que ninguem saiba o que fazer.

Wednesday, March 21

P.S.

Ja consegui extrair as fotos dos ultimos 3 dias mas ainda nao tenho acesso a um upload decente.

Check back later :)

p.

DONE

Como podem ver ainda estou a trabalhar no mapa. Talvez acabe antes de chegar :)

p.

Kakapotahi River - Hokitika; 45.6kms

Marco 21 e 22

Vem ai uma tempestade acompanhada de vento forte do norte (mau) e tenho de me despachar para chegar a Hokitika antes que tudo isto se abata sobre a minha cabecinha. Ai poderei esperar a distancia certa de Punaikaiki, a proxima paragem.

Arranquei por isso motivadissimo para andar depressa, mas a estrada estava cheia de "faux plats" ao ponto de me comecar a preocupar que estava a ficar doente, "gasto" ou a nao comer o suficiente porque nao avancava! Demorei uma hora a perceber que era a topografia. Uf. Duh!

Vim parar a mais um backpacker divertido, recomendacao dos meus amigos de ontem.


Hokitika e uma das "grandes" vilas da Westland mas nao passa muito de uma quadricula de 3x3 ruas, aparentemente totalmente dedicadas a venda de artigos de jade e outro artesanato. E o centro de extraccao de jade do pais, e abunda em "imbambas".

Tem tambem uma pequena barra de rio que me cheira a perigosa nas condicoes erradas, com uma solida rebentacao na praia desolada, onde alguem estava a fazer bodyboard no mar escuro, e uma praia infindavel de areia escura.




p.s. Passei hoje os 1,500kms, comeca a haver uma leve impressao de viagem a procura de um fim...

Franz Josef - Kakapotahi River; 92.0kms

Marco 20

Um dia cinzento com boas possibilidades de melhorar! Sai cedo porque tinha 95kms para fazer ate ao sitio onde queria dormir. Foi um dia mais para ciclismo do que turismo. A NZ tem tanta paisagem verdadeiramente extraordinaria que fica-se rapidamente blase e ja nem comento para mim proprio o que e simplesmente bonito e tranquilo.


Hoje o caminho sai outra vez das montanhas e volta a planicie costeira, embora sobrem sempre uns "dedos" espetados para nao haver risco de eu me esquecer onde estao as mudancas curtas. Como esperado, as 11 apareceu o sol por mais do que cinco minutos seguidos, mas as nuvens nao se retiraram tao facilmente, ficando a pairar nas montanhas e dentro de alguns vales, de onde estavam a planear um contra-ataque.


Hoje comecei a entender que aquilo que, para nos "magrebinos", sao bonitos prados verdes, podem ser vistos como o resultado da voragem "pastante" do gado ao longo dos anos. Desertos verdes onde antes havia variedade e riqueza de vegetacao e fauna. Percebo os ecologistas locais, mas mesmo assim, nao esta mal...

Despacho a primeira hora e meia a uma media de mais de 20kmh, e fica definido o mote do dia em que vou lancado de um ponto de alimentacao ao proximo :) Primeira paragem Whataroa onde tomo o cafe e passo uma hora em amena cavaqueira com um "colega" canadiano que vai em sentido contrario. E o primeiro cicloturista que vejo que anda mais leve do que eu, com uma bicicleta de corrida e dois sacos pequenos. Gosto bastante do conceito, porque e bom andar depressa, mas ele nao tem material para acampar,nem as minhas reservas de comida, o que lhe corta bastantes opcoes.

Mais 30 kms, igualmente rapidos e vou ao tipico snack kiwi em Harihari: "a pie, a slice and a smoothie". O primeiro e tipico da zona com bife e pimenta, o segundo e um bolo ultra-calorico, e o terceiro um batido de fruta.

E ainda passei pelo Bushman's Centre em Pukekura, com uma colecao de cartazes, bastante de humor ANZAC...



A seguir ha que passar o Mt. Hercules e mais uma serrita menor e chego ao Old Church Hostel, casa de madeira totalmente isolada ao lado de um rio que espalha os seus rapidos ao fundo do jardim.

Uma ideia tipica da pancada e teimosia desta gente: a casa era a antiga igreja da aldeia de Ross, que um maduro comprou, pos inteira em cima de um camiao, e re-plantou ali. Casa linda, com lareira gigante, cozinha espectacular, e equipada com cachorro labrador e gato a dormir. Tudo isto com vista solarenga atraves das bonitas janelas antigas para o jardim e para o rio.

Poucos hospedes; o John um farmaceutico chines de londres, cujo hobby e cozinhar oferece-me um jantar excelente em troca de eu lavar os pratos, negocio que aceitei com agrado e grande beneficio. Dois outros personagens explicaram-me mais um emprego inedito: estes senhores sao apanhadores de "sphagnum moss" um musgo super-especial que cresce nos pantanos desta zona e e comprado por 11 dolares o kilo por criadores de orquideas japoneses.


Que dia fantastico: bom tempo, objectivos bem cumpridos com 95kms avancados em optimas condicoes, super jantar e, por fim, esponjar a ler a frente da lareira a ouvir musica da minha infancia escolhida entre uma coleccao de literalmente centenas de discos vinil. Quase que decidi ficar mais um dia mas precisava de aproveitar a abertura no tempo porque vem ai mais um troco comprido.



Monday, March 19

Franz Josef Glacier (sim, e o nome da aldeia)

Marco 18 e 19







Franz Josef Glacier e uma (muito) pequena aldeia quase inteiramente composta de alojamento de varios niveis - do fracote ao mesmo barato - pontos de marcacao de actividades e venda de souvenirs, e fontes de alimento. Dito isto nao e um sitio feio nem desagradavel, so que ainda nao descobri onde vivem as pessoas verdadeiras. E tem uma livraria, pequena mas cheia de livros interessantes, pequenas edicoes sobre historia e historias locais. Tenho resistido bem, mas ainda faltam 4 horas para eles fecharem a loja...

Hoje o tempo esta o melhor que ja esteve desde que estou do lado de ca: quartos de hora inteiros com ceu azul e sol, e a temperatura chegou aos 21 graus! Aproveitei, para ir ver o glaciar, sao 6 kms de bicicleta por um estradao de terra e duas ou tres horas a passear a pe.

E um sitio completamente desconcertante ver um glaciar enorme a emergir de montanhas no meio de uma floresta tropical. Mas e lindo, e um glaciar "de livro", da para perceber todas as componentes que constituem um glaciar, e a dinamica do bicho. Diverti-me imenso. O caminho para chegar a frente do glaciar estava vedado porque as marcas tinham sido arrastadas por uma mudanca do curso do rio mas o vosso amigo, e outros passeantes menos disciplinados, saltou a barreira e encontrei forma de la chegar sem grande dificuldade. Os ingleses, e que nao acharam justo, embora nao houvesse ninguem para os impedir de fazer o mesmo...

Foi um bom passeio, e deu para desenferrujar as pernas para recomecar caminho amanha.

De resto, continua a minha educacao rugbista, com os kiwis a explicarem que nao ha hooligans nos fas de rugby. Na NZ, se armarem problemas nos jogos, podem ser impedidos de assistir para sempre, mas nunca acontece porque sao todos bons rapazes, tranquilos e cool. Tambem aproveitei para desenvolver uma mistura italianizada a base de massas diversas para variar das variantes de lentilhas.

Sunday, March 18

Pine Grove - Franz Josef Glacier; 59,3kms

Marco 17


Mais um dia-desastre que nao foi mau. Houve uma tempestade durante a noite que nao tinha bem acabado de manha. Eu e o meu barometro decidimos que iamos arriscar mais uma vez, eram so 60 kms. Correu bem, choveu ao longo do dia mas nada de grave e houve muitos periodos "secos". Ou seja, molhei-me mas nao foi "uma molha". A distincao faz-se principalmente pela ausencia de agua a chapinhar dentro das botas, mas existem outros indicadores subtis, a que vos pouparei.



Para chegar aos glaciares, havia que atravessar os contrafortes da cadeia alpina que constituem os vales perpendiculares por onde "escorrem" estas enormes massas de gelo. Devido a configuracao abrupta da cadeia alpina, e a proximidade ao mar, e uma zona unica, em que glaciares chegam quase ao nivel do mar, atravessando floresta tropical.



Estas travessias, mesmo assim envolveram um total acumulado de subida de mais de 600m mas, como sempre, passaram. As descidas desta vez foram delicadas nao por causa do frio mas porque o piso estava molhado e em condicoes muito variaveis.

O percurso era bonito, e ate tive tempo de parar em Fox Glacier para "abastecer" e ganhar coragem para atacar a subida.
As colinas eram ocasionalmente empinadas mas os muitos recortes davam imenso interesse a paisagem, bem como as linhas de agua abruptas.


Devo realmente estar a melhorar, porque embora fique cansado ao fim do dia, e normal fazer as primeiras duas ou tres horas do dia sem verdadeiras paragens para descansar. Acontece-me entrar como que em piloto automatico, em que ja nao estou conscientemente a andar de bicicleta, estou so a passar pela paisagem. As vezes olho para baixo e vejo os joelhos a subir e descer, como se nao fossem parte de mim, como se fosse uma maquina qualquer que nao tem nada a ver. So as subidas mais ingremes, ou desconforto mais ao fim do dia, me devolvem a atencao a bicicleta.

Dadas as condicoes, fiquei contente de chegar de Wanaka em 4 dias consecutivos. Estes dias aproveitados em guerrilha com a meteorologia sao saborosos como pasteis de nata roubados debaixo do nariz do policia. Mas tarde ou cedo sei que o Murphy apanha-me :)

Logo a entrada de Franz Josef cruzo-me com o "homem-moto" suico que ja ca estava ha um dia a descansar. Passamos um serao muito divertido a conversar e ver um match de rugby super-14 no pub com os kiwis. Ambiente engracado.

Estes quatro dias, mesmo assim moeram-me e vou ficar por ca dois dias de repouso: vou tentar chegar ao glaciar de bicicleta e a pe.

Haast - Pine Grove; 87,2kms

Marco 16


Mudei de pais, mas nao de clima! O dia comecou com chuva pesada de madrugada que foi esbatendo um pouco ate que, como disse o suico ao despedir-se "it could be worse". Como ele tinha toda a razao, fiz-me tambem a estrada neste novo sitio.


E impressionante, de repente estou num ambiente quase tropical. Nao fora o fresco/frio poderia ser o Brasil ou a Tailandia :-( A estrada corta uma floresta de uma densidade espantosa com fetos e arbustros mais altos do que eu e arvores gigantescas.

Ha agua e humidade por todo o lado. Rios, ribeiros, riachos, cataractas, cascatas, lagos, lagoas, pocas e pocinhas, chuva, chuvisco, neblina, nuvens muito baixas e nuvens normais e ceu encoberto. A medida que a temperatura sobe ligeiramente ha ainda vapor a subir do meio da vegetacao. E quando ganha balanco para chover, e mesmo chuva de pais sub-desenvolvido :) Resumindo, nao admira que seja tudo verde, e que esteja recheado de insectos devoradores de ciclistas.

Como sempre, a satisfacao tem muito a ver com expectativas e eu comecei a manha a espera de uma autentica prova de resistencia com sofrimento, vento, trombas de agua e colinas grandes para subir. Resultado, tive um dia fantastico porque so chovia de vez em quando, e nao com muita forca, nao dei pelas subidas, e embora o vento estivesse do contra era bastante fraco.

Adorei o jogo da neblina e vapor nas montanhas e falesias. Apreciei os lagos de ambiente "Arturiano". O mar, quando finalmente a estrada me levou a ele, estava de um chumbo claro, e batia pesadamente nas praias de areia negra ou pedragulhos. Arvores esbranqueadas pelo mar jaziam a beira mar como esqueletos de animais pre-historicos. E as falesias caem na agua floresatadas ate quase a linha da mare.

Foi-me surgindo uma grande misturada de impressoes na cabeca: bocados de costa escandinava a mistura com a da Tailandia, estrada na montanha que me recordavam a descida das alturas Bolivianas, os vapores no verde de tantos filmes sobre a Amazonia (alguem ainda se lembra da Missao?) E ainda ha os rios que jorram com rapidos e mais abaixo criam vastas extensoes de pedragulhos brancos como os rios mais maduros no Himalaia.

O outro problema, para mim, que e a baixissima densidade populacional tem tambem o seu encanto no pouco transito, ausencia de sinais humanos e silencio. E so a estrada a cortar a floresta, e o leve zumbido da bicicleta no alcatrao e na agua.

Ha pontes em lugares fantasticos, quase sempre so com uma faixa em que toda a gente tem de esperar "horas" ate que eu chegue ao outro lado para poderem passar: um momento de pequeno poderio, em que eu e a bicicleta temos a ponte toda so para nos :) Devia haver duzias de pescadores e gente a fazer documentarios nestes sitios mas so estao os passaros. Incluindo os kea's de ma raca que aqui voltam a aparecer em bandos.

Kea's sao papagaios pestes: gostam de roer borracha e aparecem aos gritos de madrugada. Nem teem a decencia de ser discretos. Ha historias de rasgarem tendas para chegar a comida, e frequentemente estragam carros porque arrancam as borrachas que vedam os vidros. Eu tambem ja tenho dentadas de kea nos punhos da bicicleta. Ainda por cima nao teem medo de humanos. Houve uma manha em Mt.Cook que passei meia hora aos pulos no frio a atirar pedras aos keas, furioso meio nu no gelo.

E para rematar, encontro um pequeno motel num sitio que nem no mapa 1:250,000 aparece, onde alugo uma cabana. Nesta costa isto e a salvacao: a qualquer paragem de mais de 10 segundos, os sandflies atacam e nao estou a exagerar. Pago cada paragem para tirar uma fotografia em dentadas. Isto torna acampar e muito complicado, porque nao consigo cozinhar dentro do espaco fechado da tenda...

A porta da minha cabana de manha encontrei: