Friday, March 9

Queenstown - Arrowtown; 25,0 kms

Marco 9

Para me comecar a aproximar do meu proximo grande obstaculo, Crown Range, e para passar um dia num lugar mais calmo, sem quebrar muito o ciclo de descanso das pernas, decidi mudar-me para Arrowtown, mesmo ao lado.

Um daqueles dias que comecou mal e foi melhorando muito, sem que para isso houvesse qualquer influencia minha. Ainda na saida de Queenstown, nao conseguia aumentar mudancas no desviador de tras. Era o cabo, que ja tem uns anitos, a comecar a partir: dois fios soltos impediam o cabo de folgar e portanto passar para os carretos mais pequenos. Tenho um sobressalente, mas como o da frente tem a mesma idade que o de tras (embora menos uso) decidi comprar ja outro numa loja de alugueres enquanto ainda estava na civilizacao comercial. Desta vez o mecanico era escoces, se calhar os kiwis nao gostam de mecanica ciclista?

Tendo mudado o cabo e re-afinado as mudancas pus-me a caminho. E uma das coisas que mais gosto nas bicicletas: tudo se mantem, arranja, restaura, resolve pelo proprio utilizador munido de meia duzia de ferramentas e bocados que se vao encontrando em quase todo o mundo. As bicicletas sao coisas quasi-eterno da mesma forma que o machado do bisavo que ja levou 5 laminas e 14 cabos e ainda esta pronto para mais.

Ainda era de manha, com imenso sol, mas francamente fresco ao ponto das descidas serem desconfortaveis: calor a mais para o corta vento, frio a mais a descer com a camisola humida. Take 2, e la vou eu a seguir mais um vale - e por ai que se circula nas montanhas para quem nao sabe :) - a caminho do Rio Shotover. Este e um dos rios com mais trafego de jetboat, mais uma actividade de feira popular escala 1:1, e quando chego a ponte vejo um fazer um piao controlado entre duas paredes de rocha, no meio de um rapido. Os gritos dos clientes felizes ouvem-se da ponte, atraves da agua e do rugir dos motores...



Proximo problema, ao fim de uns 8 kms, a estrada esta cortada para obras e o desvio indicado parece uma montanha russa tipo corta a direito, como uma estrada romana que foi desenhada para trafego pedestre. Isto era a minha manha de descanso! Fiquei furioso de nao ter havido aviso anterior quando ainda havia uma alternativa razoavel. Desperdicio de energia claro, nao ha nada a fazer.

E a estradinha era realmente retorcida, mas linda e pacifica, depois de algumas subidas mais idiotas. Parei para comer uma maca e roer a racao do meio dia, e fiquei-me um bocado de binoculo colado aos olhos a acompanhar o voo de uma aguia mesmo por cima de mim; acho que nunca me fartarei de observar o voo das rapinas.

Chego pois a Arrowtown, ja de bem com o mundo e a vida em geral e encontrei uma aldeia encantadora ao sol. Casas bonitas, arvores frondosas ja velhas, topografia interessante, e sossegada. Cheira um bocadinho a dinheiro.

E tem a melhor "rua historica" que vi ate agora. Quase todos os sitios no Central Otago tentam puxar por uma ou duas ruas "antigas", o que quer dizer da altura das corridas ao ouro no seculo XIX. So que no meio dos booms nao tinham tempo e dinheiro para construir para durar e sobra relativamente pouco para ver. Arrowtown tem uma rua comprida e completa, sem quase nada a estragar o conjunto (isto se tolerarmos que todos os edfificos sejam ou lojas de imbambas e la, ou pontos de alimentacao).











Ha tambem um parque muito bonito que contem os restos do bairro chines que, esses, nunca duram ate aos nossos dias. Como nos USA e na Australia, na NZ morreram muitos chineses nas minas e nao so. Imigraram muitos para trabalhar em regimes mais ou menos escravizantes, ficando so alguns comerciantes e agricultores que sobreviveram ao boom mineiro.




Ha uma invasao de gente para uma corrida que atravessa o Crown Range, a serra que tenho tambem de atravessar, mas no sentido contrario. Eles teem duas modalidades para fazer os 45 kms, a correr ou de BTT. Ja e a segunda vez que me cruzo com uma destas provas multidesporto e fiquei impressionado com o nivel de participacao numa populacao tao pequena e em sitios relativamente remotos. Aqui estao 2,000 BTTistas inscritos. A outra foi em Mt.Cook, durava 2 dias e envolvia uma especie de triatlo com orientacao em que se corre, pedala e pagaia, mas com distancias serias. A verdade e que todos os dias encontro pessoas de todas as idades a correr e pedalar, e entretenho-me a mirar os kayaks que vao passando em cima dos carros na estrada.

Esta noite fiz o jantar com um grupo de tres avozinhas ai dos seus cinquenta e tais que iam correr de BTT na classe recreacional. Normalmente sao ciclistas de estrada mas quiseram experimentar! Convenceram-me que tinha de voltar, para a proxima vez a ilha do norte que era o local ideal para vela, remo e agua em geral.

Ouvi tambem uma conversa surreal por parte de um viciado, que ia dizia ele na sua 415a maratona. Este senhor explicou a todos os presentes a ultima teoria da historia da NZ. Segundo esta hipotese a NZ era habitada por um povo celta, descendente dos vikings, que foram todos comidos pelos antepassados dos maoris quando estes chegaram da polinesia. E claro que o banquete tera sido de tal ordem que hoje nao resta uma unica evidencia deste povo, nem um unico traco de DNA... A razao pela qual nao e conhecida esta versao seria porque existe um complot entre o governo e os maoris para esconder a verdade. Ha muitas emocoes comuns entre os varios paises do "novo mundo" que viram alteracoes esmagadoras dos seus povos originais (Canada, Australia, NZ, US etc) e estao recentemente a tentar encontrar equilibrios practicos razoaveis. Esta versao deve ser particularmente agradavel para os ocidentais menos auto-confiantes mas a verdade e que nao existe ainda uma unica prova verificavel...

Thursday, March 8

Queenstown

Marco 8


Que contraste com tudo o que vi ate agora. Acordei numa estancia de ski a arrebentar de actividades de verao. E uma localizacao bellissima, construida nas encostas ingremes e florestadas que mergulham no lago. A natureza forneceu um local esplendoroso mas tem aspectos que lembram o Algarve, como a evidente ausencia de controlo de ordenamento territorial e, uns rasgos de criatividade arquitectural muito infelizes. Dito isso, o conjunto e bonito, por alguma razao misteriosa por enquanto a natureza sobrepoe-se por completo aos melhores esforcos dos promotores.

O centro tem uma densidade, e intensidade de actividade comercial, que tambem lembra um cruzamento entre Albufeira em Agosto e o Colombo no dia 23 de Dezembro. Agora, tudo isto com o nivel de qualidade kiwi, lojas pela maior parte engracadas, restaurantes interessantes, optimos cafes e o servico espectacular a que ja me habituei. Eu acho que eles sao muito melhores que os americanos a servir: teem muito a vontade, e falam com os clientes com uma naturalidade e, frequentemente graca e humor, que esta longe daquele excesso mais artificial que vemos nas cidades americanas.

Isto para nao falar das lojas de material outdoors, qualidade, quantidade, escolha, ha tudo. Passei um bocado agradavel a conversa com um alpinista brasileiro que esteve com o Joao Garcia no Nepal quando foram evacuados do Everest.

Agora, isto e o centro de atraccao turistico da ilha e e tudo um pouco mais caro e mais a pressao. Unico a Queenstown e uma forma de retalho, para mim desconhecida, porta sim, porta na, que sao os pontos de venda de "actividades". Esta gente e genial: teem uma criatividade ilimitada na arte de gerar terror absoluto em seres humanos, sem os magoar, e fazendo-se pagar caro. Sugiro uma pequena volta no google para actividades em Queenstown para ter uma nocao. Impressionante. Ha tambem imensas clinicas de fisioterapia, e publicidade a medicos especialistas pelo que tambem deve haver quem exagere :)

Mas e uma cidade que tambem aparentemente boa de viver. Para mim seria uma daquelas pequenas casas fora da cidade a borda do lago, com janelas enormes e espaco para barcos e outros brinquedos. A vista nunca farta, esta sempre a mudar com o tempo e as nuvens, e aqui realmente pode-se fazer tudo o que nos apetecer seja na agua, no ar ou na terra, e em todas as estacoes do ano.

O unico pequeno senao e o nivel de actividade, e por tanto barulho, a noite a que ja nao estou habituado. Sao todos aqueles que foram aterrorizados durante o dia a celebrar terem sobrevivido ao programa de hoje, e a ganhar coragem para enfrentar o de amanha. Mas mesmo esses deitam-se cedo.

Cromwell - Queenstown; 62,3 kms

Marco 7

Fiquei na ronha a espera que a chuva amainasse. Mas o barometro continuava a descer muito lentamente e a chuva constante, pelo que a frente ha tanto anunciada era daquelas lentas, ia tomar todo o seu tempo. E ainda faltava mais qualquer coisa...

As onze, ponderei a reserva de cama quie tinha sinalizado para essa noite com o cartao de credito. As onze e meia, lembrei-me que seria bom testar mais a fundo as propriedades impermeabilizantes do casaco e, mais importante, dos alforges sabendo que tinha o banho quente garantido. Ao meio dia e um quarto, estava na estrada a subir para o vale para a garganta do Kawarau sob chuva leve. Nao e facil fazer as malas numa micro-tenda de 2m x 1.5 sem molhar tudo quando se tem de caber tambem la dentro, mas estou a desenvolver a tecnica.

O caminho quase todo lembrou-me muito a Escocia: montes muito encrespados em castanho escuro, e muita pedra preta, e o rio Kawarau la em baixo um cinzento claro, cor de aco e gelo. So ha um sitio marcado no mapa a meio dos 65 kms para Queenstown, o vale de Gibbston. Passo toda essa subida a dizer-me que la poderei parar e tomar um mega-cafe com muito acucar e descongelar dedos das maos e pes. E vou andando a bom ritmo, com alguns pequenos problemas de visibilidade por causa da chuva nos oculos.

A estrada e bonita enrodilhada na garganta estreita tipo Lord of the Rings mas, mais associei aos anoes, nao sei porque. Ja bastante mais a frente confirma-se a minha suspeita que ainda faltava chegar a parte mais pesada da frente, e abrem-se verdadeiramente os ceus. Ai as coisas complicam-se um bocadinho, fica mais dificil escolher o caminho com a agua na estrada, e a visibilidade algo pior mas nada de dramatico.

O unico momento mais emocionante foi quando cheguei a uma escarpa encostada ao meu lado da estrada com um grande sinal de "rockfall" e torrentes de agua e lama a saltarem para o alcatrao. Havia felizmente uma barreira de rede e aco para apanhar o que fosse caindo, mas como de vez em quando ouvia claramente o estrondo de pedragulhos a bater contra o aco, e vi alguns calhaus de respeito, optei por um regresso as origens, guiando a direita (fora da estrada) ate ter passado a zona mais delicada.

Mais a frente a garganta abre e entro no vale de Gibbston, que nao sendo a principal, e uma das zonas de producao vinicola da NZ. Se percebi bem, conhecida sobretudo pelo pinot noir. Alguns dos meus amigos perceberao a significancia deste dado, e por isso o refiro, mas eu sou mais para a mecanica :) Nao irei mais longe do que dizer que o pouco vinho que mais tarde provei me soube bem.

E um contraste bonito e inesperado entre as vinhas que agora estao muito verdes, encaixadas nas encostas castanhas, com a garganta escura e tumultuosa donde acabava de emergir. Ha varias wineries espalhadas na paisagem com cartazes na estrada a convidar a prova. O que nao ha sao casas, lojas, aldeia, enfim nao ha o meu cafe, nem nada que remotamente se lhe assemelhe! Ao menos, a chuva entretanto comecou a passar a aguaceiros e aproveito uma aberta para parar, abrigado atras de um monumento aos mineiros (boa parte do Central Otago foi desenvolvido em vagas sucessivas de corridas ao ouro). Como a minha dose de scroggin, uma maca que tinha a mao sem abrir nada que se molhe, e ponho as luvas mais quentes. Nada a fazer para os pes: as minhas botas sao impermeaveis mas como a chuva escorre perna abaixo, enchem por cima e fazem um som mole com cada pedalada.

Mais a frente, ja com alguns rasgos de sol chego ao famosissimo Kawarau Bridge. Para os incultos, trata-se da ponte de onde o igualmente famoso A.J.Hackett fez o que se diz ser o primeiro bungy jump. Tal foi o impacto deste nova ideia que a ponte foi declarada monumento historico a preservar pelo estado kiwi. Deve ser das poucas obras publicas/monumentos nacionais com o objectivo de assegurar que o publico dela possa saltar.


Finalmente, umas 4 horas e meia de caminho apos Cromwell, entro no transito suburbano de Queenstown, seguindo a margem do enorme lago de Waikatipu ate a cidade.

Instalado no meu quarto/caixote faco um enorme estendal de modo a secar a tenda e rever a tralha em geral. Tudo impecavelmente seco, os Ortlieb merecem de facto a reputacao e a quota de mercado entre os cicloturistas longa-distancia.

So me resta repor o combustivel gasto. Queenstown arrebenta de restaurantes e opto por um jantar indiano a serio. Um problema, tenho as botas literalmente cheias de agua e urge secar so que nao tenho mais sapatos (peso, espaco etc.) So tenho umas sandalias de kayak/praia que uso para duches etc. Mas e que esta frio, e vi-me pois forcado a sair a rua, mais a entrar num restaurante, de sandalias e meias de la :( Malta, sei que tenho um lado mais piegas, mas nao sabem a impressao que me fez. Quem nao acreditar pode fazer a experiencia: passeiem a pe na rua um bocadinho e depois vao a um restaurante razoavel, de que gostem, assim calcados. Vao ver que se sentem diferentes, incomodados, nao sei, como que sem confianca em si... Um desafio, digo-vos.

Wednesday, March 7

FLASH NEWS

Gracas a ajuda do Lor, a partir do post sobre Dunedin, estamos a ilustrar com fotografias que ele esta a encontrar na net. E sempre mais ou menos retro activo porque nunca sei bem onde vou estar quando, depois escrevo, e depois o Lor tem mais que fazer. Nao sei se teremos os dois paciencia e capacidade para tratar disso de forma sistematica, mas tentaremos ir fazendo aparecer imagens como as que vi.

Obrigado Lor.

NW 3: Ophir - Cromwell; 66,9kms

Marco 6

Os meus vizinhos, aqueles sem graca, tinham mesmo pouca piada: hoje levantaram-se as 06:00 e nao tiveram a delicadeza de evitar barulho. Apos uma hora de esforco heroico, desisti e decidi-me a arrancar mesmo cedo. As 08:15 estava na estrada mas o vento tambem. Deve ter percebido a minha tentativa de ontem.

Ao principio ate calhou bem, porque os primeiros 25kms eram a favor e foi um ve-se-te-avias. Gracas as condicoes, vi pela primeira vez os "corredores" de nuvens lenticulares que sinalizam a presenca de uma onda de vento dinamica (em ingles, standing wave). Causada pela barreira perpendicular ao vento, tinha uma extensao e regularidade impressionantes.

As 10:15 estava em Alexandra abancado diante um monte de panquecas daquelas grossas, com nata, maple syrup e banana. Ha qualquer coisa de delicioso neste sentimento do dever cumprido: com 25kms ja feitos antes das dez e meia, mereco total e inequivocamente, empanturrar-me antes de tomar o cafe. E depois, o porridge da manha ja tinha sido gasto na estrada, e eu sabia que ia precisar de combustivel.


De Alexandra para cima era preciso subir ate a barragem em Clyde e dai seguir a borda do lago de Dunstan numa garganta estreita ate Cromwell. O dono da loja de aluguer de bicicletas de Alexandra com quem me fui informar, sugeriu-me que fosse ver mas que nao valia a pena insistir, que depois da barragem o vale acelerava o vento e nao dava. Combinamos que se o vento me devolvesse iriamos jantar caldeirada ao restaurante do amigo portugues dele.

Foi de facto forte, o pior dos meus dias de northwesterly ate agora. Ate Clyde estava passavel, mas depois subia-se o "degrau" da barragem para o novo nivel da agua e era como que um encontrao. Trata-se de um grande degrau, porque e a maior barragem hidroelectrica do pais, mas mesmo assim... Aquilo vinha sobretudo de frente mas de vez em quando parecia que fazia ricochete, e pimba uma estalada de lado. Houve varios momentos em que tive de por os dois pes no chao para aguentar a bicicleta, e alturas em que fiquei pregado ao chao, a bicicleta estacava com a rajada, e ou punha um pe ou era so um soluco e continuava. Mais uma vez o monociclo provou ser boa preparacao.


Curiosamente, nao me chateei, nem fiquei particularmente preocupado. Tinha muito tempo, e sobretudo sabia de antemao que o vento estava a espera, tinha planeado o dia a volta disso. Era so uma questao de deixar passar o tempo e havia de chegar. Senao, havia pontos intermedios onde parar e esperar.

Cromwell lembrou-me um filme de terror daqueles em que o jovem casal recem instalados no novo suburbio, pouco a pouco se apercebe que boa parte dos vizinhos sao extraterrestres que comem humanos, vivos e devagarinho. E um suburbio, de filme como disse, sem cidade, sem centro, a beira da ponta do lago. Centenas de casas independentes, muitas muito pirosas, em ruas perpendiculares, com relva e caminhos manicurados. Ha uma escola, e um ginasio, e quase nao encontrei lojas. Muito estranho.

Mas tinha hoteis e moteis, porque e uma zona de pesca desportiva de renome. Todos carissimos, emfim para aquilo que eram, pelo que dormi acampado no mocamp. A previsao era de chuva, mas nunca mais chegava. Passei o serao a tentar encontrar onde dormir para duas variantes de plano diferentes. Estou numa zona muito turistica que nao se compadece com o meu planeamento a ultima da hora.

Finalmente, la para a uma da manha a chuva acordou-me. Fiquei a ouvir uns momentos e a pensar como realmente podemos simplificar, temporariamente, a nossa existencia. Aqui estava eu deitado no chao, num sitio verdadeiramente longe do meu territorio natural, sentindo-me confortavel e seguro, havendo tudo o necessario debaixo daquele minusculo abrigo de pano. Cabe tudo em dois sacos e, com a bicicleta, posso ir onde bem me der na cabeca sem complicacoes de maior.

Basta aceitar outras limitacoes, que nao sao la muito limitativas face ao que se ganha: algum desconforto (que passa porque nos habituamos rapidamente a viver mais expostos ao tempo); tudo demora mais, nao e so o andamento na estrada, uma proporcao muito maior do nosso tempo e dedicado a tratar das necessidades basicas como encontrar alimento, abrigo, tratar do equipamento, escrever um pouco.

Nao sei quanto tempo aguentaria assim. Suspeito que a duracao desta viagem esta proxima do meu limite actual; faz-me falta-me a minha familia, os amigos, a minha sociedade. De vez em quando ate preciso de qualquer coisa mais complexa para ocupar a testa. Mas nao ha duvida que umas semanas em paisagens grandes, lava a cabeca e enche-me de ar fresco. E estou convencido que se pode acumular o mesmo efeito em pequenas doses homeopaticas compativeis com ganhar a vida. E escolher o que fazemos com o tempo de lazer que desperdicamos :)

NW 2: Ranfurly - Ophir; 58.5kms

Marco 5

Sai cedo, la para o raiar das 09:30 para ver se apanhava um pouco menos de vento, mas nao funcionou porque ele acordou as 10. Os primeiros 18kms foram chatos mas mesmo assim nao tao maus como com vento de fim de dia. Maniototo em toda a sua extensao, com pouca variacao de paisagem, mas imensa paisagem.

Ai tive sorte numa interpretacao da carta, e decidi optar por virar a SW por um outro vale, que abria antes daquele em que passa a estrada "principal". Ia eu a chegar ao cruzamento, meio de nada mesmo, e dou de caras com uma bandeira muito "design" com um icon que so podia ser cafe. Estava em Idaburn e tratava-se do "Whiskery Bill's" um mini cafe/pensao numa grande cabana impecavelmente bem restaurada. Nao havia resistencia possivel e abanquei para um grande cafe e um bolo.


Assim fortificado, meti pelo vale do Ida a dentro que afunilava o vento agora de modo a ajudar! Foram uns 30 kms de felicidade em velocidade. De resto o vale era muito menos bonito do que as montanhas do Kakanui que tinha passado :) E o preco nem foi alto, so tive de atravessar a espinha que me separava do vale "certo" para chegar a Ophir. E, hoje em dia, prefiro subir a pedalar contra o vento.

Fiquei num bonito backpacker, bem arranjado e limpo, a dona era escritora. Por uma vez os meus co-hospedes nao tinham ponta de interesse, soporificos mesmo, pelo que o principal acontecimento foi ter desenvolvido uma nova variante para a minha receita de lentilhas. Encontrei uns temperos indianos para dar mais vida :)

Aproveitei tambem a falta de vida social para desmontar e limpar os "jockeys" do desviador traseiro que agora se sentia que nao estavam a altura da minha super transmissao restaurada. E que isto ja esta dificil que chegue, nao me posso permitir tolerar atrito desnecessario.

Tuesday, March 6

NW 1: Dunedin - Ranfurly; 64.6kms

Marco 4

Comecei lindamente o dia com a viagem no Taeri Gorge Railway. A subida pela garganta em causa foi memoravel, uma daquelas obras impossiveis, num terreno absolutamente incrivel. Pa e picareta, tudo a mao, material a subir o rio em pequenos barcos, demoraram decadas. Pontes em aco e madeira em cortes ridiculamente abruptos, uma maravilha.

Tendo assim poupado quase 80kms e sobretudo a subida para sair da cidade, cheguei a Middlemarch as 12:30 com 65kms pela frente e zero opcoes entre os dois pontos... E sempre um mau principio comecar sem folga de tempo, mas realmente era muito tentador fazer o dois em um (dois dias de pedalar pelo trabalho de um). Emfim, fiz-me ao caminho e a primeira hora foi optima, e rapida. Nessa hora cheguei a regiao do Maniototo, mais uma planicie elevada, mais rude que Canterbury e o Mackenzie Country.

Paisagem verdadeiramente grandiosa, com montes verde escuro, muito rugosos a emoldurarem o vale rolante e sempre aquele ceu desmedido. O Maniototo e um bocadinho intimidante porque o tempo passa, o esforco acumula, o conta quilometros marca a passagem mas nada muda, e entramos numa escala diferente de referencia.

Infelizmente, esperava-me o famoso northwesterly, vindo do meu destino. Esta nortada daqui mete a nossa num chinelo, demorei duas horas a fazer os ultimos 18kms. Vento assim e de partir o coracao. Pela [primeira vez cheguei a pensar desistir. So que a 20 kms de nada, desistir nao tem muito significado. So quer dizer parar. E depois? Montar a tenda? Eu tinha comida e abrigo, mas ja pouca agua e na manha seguinte ia ter de sair dali a mesma...

Penso frequentemente que ninguem me pediu para estar aqui e que se entrei por pedal proprio, assim tenho de sair. Continuei e cheguei como sempre. O problema com vento assim nao e so avancar, e tambem manter controlo da bicicleta, sobretudo nas rajadas e saltos que a topologia faz dar a direccao.

Encontrei cama num sitio suficientemente mau para me lembrar de alguns "hoteis" memoraveis que conheci na India com a Isabel.

Passei uma noite menos ma a conversar com um casal de alemaes num tandem, que estavam na NZ a preparar-se para a seguir ir para o Alaska de onde planeam descer toda a Panamericana ate a Patagonia...