Queenstown - Arrowtown; 25,0 kms
Marco 9
Para me comecar a aproximar do meu proximo grande obstaculo, Crown Range, e para passar um dia num lugar mais calmo, sem quebrar muito o ciclo de descanso das pernas, decidi mudar-me para Arrowtown, mesmo ao lado.
Um daqueles dias que comecou mal e foi melhorando muito, sem que para isso houvesse qualquer influencia minha. Ainda na saida de Queenstown, nao conseguia aumentar mudancas no desviador de tras. Era o cabo, que ja tem uns anitos, a comecar a partir: dois fios soltos impediam o cabo de folgar e portanto passar para os carretos mais pequenos. Tenho um sobressalente, mas como o da frente tem a mesma idade que o de tras (embora menos uso) decidi comprar ja outro numa loja de alugueres enquanto ainda estava na civilizacao comercial. Desta vez o mecanico era escoces, se calhar os kiwis nao gostam de mecanica ciclista?
Tendo mudado o cabo e re-afinado as mudancas pus-me a caminho. E uma das coisas que mais gosto nas bicicletas: tudo se mantem, arranja, restaura, resolve pelo proprio utilizador munido de meia duzia de ferramentas e bocados que se vao encontrando em quase todo o mundo. As bicicletas sao coisas quasi-eterno da mesma forma que o machado do bisavo que ja levou 5 laminas e 14 cabos e ainda esta pronto para mais.
Ainda era de manha, com imenso sol, mas francamente fresco ao ponto das descidas serem desconfortaveis: calor a mais para o corta vento, frio a mais a descer com a camisola humida. Take 2, e la vou eu a seguir mais um vale - e por ai que se circula nas montanhas para quem nao sabe :) - a caminho do Rio Shotover. Este e um dos rios com mais trafego de jetboat, mais uma actividade de feira popular escala 1:1, e quando chego a ponte vejo um fazer um piao controlado entre duas paredes de rocha, no meio de um rapido. Os gritos dos clientes felizes ouvem-se da ponte, atraves da agua e do rugir dos motores...
Proximo problema, ao fim de uns 8 kms, a estrada esta cortada para obras e o desvio indicado parece uma montanha russa tipo corta a direito, como uma estrada romana que foi desenhada para trafego pedestre. Isto era a minha manha de descanso! Fiquei furioso de nao ter havido aviso anterior quando ainda havia uma alternativa razoavel. Desperdicio de energia claro, nao ha nada a fazer.
E a estradinha era realmente retorcida, mas linda e pacifica, depois de algumas subidas mais idiotas. Parei para comer uma maca e roer a racao do meio dia, e fiquei-me um bocado de binoculo colado aos olhos a acompanhar o voo de uma aguia mesmo por cima de mim; acho que nunca me fartarei de observar o voo das rapinas.
Chego pois a Arrowtown, ja de bem com o mundo e a vida em geral e encontrei uma aldeia encantadora ao sol. Casas bonitas, arvores frondosas ja velhas, topografia interessante, e sossegada. Cheira um bocadinho a dinheiro.
E tem a melhor "rua historica" que vi ate agora. Quase todos os sitios no Central Otago tentam puxar por uma ou duas ruas "antigas", o que quer dizer da altura das corridas ao ouro no seculo XIX. So que no meio dos booms nao tinham tempo e dinheiro para construir para durar e sobra relativamente pouco para ver. Arrowtown tem uma rua comprida e completa, sem quase nada a estragar o conjunto (isto se tolerarmos que todos os edfificos sejam ou lojas de imbambas e la, ou pontos de alimentacao).
Ha tambem um parque muito bonito que contem os restos do bairro chines que, esses, nunca duram ate aos nossos dias. Como nos USA e na Australia, na NZ morreram muitos chineses nas minas e nao so. Imigraram muitos para trabalhar em regimes mais ou menos escravizantes, ficando so alguns comerciantes e agricultores que sobreviveram ao boom mineiro.
Ha uma invasao de gente para uma corrida que atravessa o Crown Range, a serra que tenho tambem de atravessar, mas no sentido contrario. Eles teem duas modalidades para fazer os 45 kms, a correr ou de BTT. Ja e a segunda vez que me cruzo com uma destas provas multidesporto e fiquei impressionado com o nivel de participacao numa populacao tao pequena e em sitios relativamente remotos. Aqui estao 2,000 BTTistas inscritos. A outra foi em Mt.Cook, durava 2 dias e envolvia uma especie de triatlo com orientacao em que se corre, pedala e pagaia, mas com distancias serias. A verdade e que todos os dias encontro pessoas de todas as idades a correr e pedalar, e entretenho-me a mirar os kayaks que vao passando em cima dos carros na estrada.
Esta noite fiz o jantar com um grupo de tres avozinhas ai dos seus cinquenta e tais que iam correr de BTT na classe recreacional. Normalmente sao ciclistas de estrada mas quiseram experimentar! Convenceram-me que tinha de voltar, para a proxima vez a ilha do norte que era o local ideal para vela, remo e agua em geral.
Ouvi tambem uma conversa surreal por parte de um viciado, que ia dizia ele na sua 415a maratona. Este senhor explicou a todos os presentes a ultima teoria da historia da NZ. Segundo esta hipotese a NZ era habitada por um povo celta, descendente dos vikings, que foram todos comidos pelos antepassados dos maoris quando estes chegaram da polinesia. E claro que o banquete tera sido de tal ordem que hoje nao resta uma unica evidencia deste povo, nem um unico traco de DNA... A razao pela qual nao e conhecida esta versao seria porque existe um complot entre o governo e os maoris para esconder a verdade. Ha muitas emocoes comuns entre os varios paises do "novo mundo" que viram alteracoes esmagadoras dos seus povos originais (Canada, Australia, NZ, US etc) e estao recentemente a tentar encontrar equilibrios practicos razoaveis. Esta versao deve ser particularmente agradavel para os ocidentais menos auto-confiantes mas a verdade e que nao existe ainda uma unica prova verificavel...