Thursday, March 15

Makarora - Haast; 78,2kms

Marco 15

Como que por milagre acordo muito cedo para um ceu totalmente limpo que explica que o frio se tenha mantido: 3 graus durante a noite. O barometro subiu 13mb durante a noite! Nao sei bem como interpretar, mas nao chove, nao ha vento de nota, e com 80kms e o Pass de Haast pela frente saio ainda antes das nove sem me fazer demasiadas perguntas.



Nesta manha linda, continuei a subir o vale do Makarora deliciado com o silencio devido a ausencia de transito. Em contraste com a zona de Wanaka, aqui as montanhas estao cada vez mais florestadas e o tom dominante e o verde escuro, mas sempre bem temperado pelo branco da neve nos altos.

Sendo a passagem mais baixa para atravessar a cadeia dos alpes do sul, a portela de Haast nao tem nada de especial em si, salvo uma placa que indica o fim de Otago e o incio de Westland.
Como em Crown Range, fico aliviado da subida nao ter sido pior, e lanco-me aos 600m de altitude que tenho a perder nos 60kms ate a costa.

So que hoje tenho um problema, esta mesmo frio e nao consigo suportar o efeito do "windchill" nao so nos pes, maos e cara mas tambem no corpo, o que ja nao tem graca. Assim, com alguma tristeza, passei as proximas 4 horas a travar nas descidas e desacelerar ao sol para nao congelar e aquecer respectivamente. Duas decisoes de equipamento ajudaram-me: em Queenstown tinha investido numas super-meias de la xpto que de facto provaram ser eficazes, e o nao cortar da barba salvou-me de muito desconforto na cara.

Nao estou equipado para manutencao de barba. Consigo manter o bigode fora da sopa usando o canivete suico, mas o resto nao ha hipotese de manter decente. Ou deixava crescer ou rapava tudo de vez em quando, o que me parecia pior, e muito trabalhoso em alguns dos sitios por onde durmo. Obviamente que optei por deixar andar. Com o aspecto que terao as minhas roupas apos dois meses de uso continuo, sera que me arrisco a ser preso por taliban em LA?


Depois do pass, a descida e feita pelo vale de um afluente do rio Haast, e antes de comecar a serio tem toda uma serie de "flats", pequenos prados em altitude, pacificos encaixados entre ceu e montanhas com o ruido do rio a correr nas pedras. O silencio e inebriante, e nao fosse o frio ter-me-ia sentido tentado a passar uma noite la em cima.


Mais abaixo, o afluente encontra o principal e vira a oeste para os ultimos kms direccao a costa, mas antes passa por uma ponte bonita entre paredes rochosas chamadas The Gates of Haast. Ca mais para baixo, a vegetacao parece ter engolido soro de mutacao e nao fosse o frio estariamos num sitio tropical. E desconcertante esta floresta quando ainda se veem montanhas com neve ao olhar para tras. Nem quero pensar na quantidade e frequencia de chuva necessaria para manter tudo isto assim... As cataratas sao muitas, e quando naos as ha a aqua escorre rocha abaixo ao lado da estrada. A medida que o sol vai levantando tudo isto larga vapor, e parece autenticamente tropical.

A 5 kms da costa, chegam as nuvens e algum vento e, a medida que desaparecem as ultimas montanhas, fica tudo cinzento, mas mais quente. Paro em Haast para dormir ainda sem ter chegado a ver o mar de Tasman, nao ha mais nada em dezenas de kms. Alias esse vai ser o desafio desta costa muito pouco habitada: conseguir chegar de um ponto ao proximo num so dia de pedalar. Entre isso e a previsao metereologica que da chuva ate a semana que vem, temo que se avizinhem dias menos confortaveis.

Conheci aqui um jovem suico que anda a fazer o mesmo percurso que eu mas a um ritmo de exactamente um dia por cada dois dos meus. Simpatico, mas um verdadeiro animal; odioso :)

Para quem tiver curiosidade e mapas o plano imediato e relativamente simples: percorrer a estrada da costa ate Westport com possiveis paragens/descanso e turismo num dos glaciares (Fox ou Franz Josef) e Hokitika.

Wanaka - Makarora; 63,9kms

Marco 14

A segunda frente chegou em forca durante a noite, com frio, vento e chuva a potes. Decido fazer os sacos e ficar a espera a lareira a brincar com um doberman simpatico que e da senhora de limpeza. A minha teoria e que a seguir a frente fica so o frio, aguaceiros e vento a favor porque vai passar mais a sul. Nao e brilhante mas e melhor do que 4 ou 5 horas com chuva e frio. Aqui nao da para esperar pelas condicoes perefeitas, mas tambem nao e saudavel ir contra todos os factores maus em simultaneo. Sobretudo porque a ganhar altitude, nao tenho hipotese de aguentar frio se tambem estiver seriamente molhado.

A paisagem de Wanaka mudou: a chuva passa a neve acima dos 600m, e os topos das montanhas que anteontem, quando andavamos todos de calcoes e t-shirt estavam castanhos, agora estao brancos e as encostas polivilhadas como que de acucar.

Por volta das 10 a chuva parece menos forte, as 11 o vento comeca aos saltos, e ao meio dia ja esta reduzido a uma brisa de sul. Como o meu barometro comecou a subir por volta das 11 e, gracas a net, sabia que nao vinha outra, decido arriscar e saio por volta da uma ainda sob uns restos de chuvisco.

As nuvens ainda estao muito baixas, mas o vento ja esta estabelecido a favor, e vem da antartida, a queda da temperatura impressiona, e vou com duas camadas "tecnicas" e o impermeavel fechado ate ao queixo. Foi um passeio bastante atmosferico entre as nuvens baixas, os montes castanhos com acucar no topo, e a agua dos lagos cor de chumbo, tingido de jade escuro.


A estrada sai de Wanaka a subir em direccao ao Lago Hawea que e mais ou menos paralelo mas um pouco mais alto e mais curto. Sigo pela margem ocidental e no fim do lago viro por uma especie de istmo, conhecido como "the neck" que liga este lago a parte norte do de Wanaka.
Continuando pela margem este ate ao fim, comeco a subir pelo vale do Makarora.

Pouco a pouco o vale vai fechando e comeca a aparecer um pouco mais de vegetacao. Nao ha nenhuma habitacao, e so tive hipotese de parar para "abastecer" ja poucos kilometros antes de Makarora numa paragem de camionetas. Depois de um dia inteiro ao frio, ia derretendo ao tomar um enorme latte no ambiente aquecido.

Um pouco mais acima aluguei uma cabana para a noite e tratei de preparar a papa, na cozinha comunal. Dois casais australianos ofereceram-me cha e contaram historias de viagens de longo curso que tinham feito nos desertos deles. Em troca falei-lhes das expedicoes na America do Sul, e passamos um serao agradavel falar de planeamento e logistica de expedicoes, e outros temas de igual interesse :)


Essa noite perguntei-me porque seria que eram quase sempre os mais velhos que estabelecem contacto, e oferecem apoio e companhia e a ideia que se me ocorreu nao e totalmente confortavel. Sera que se eles me veem como "um deles", eu penso em mim proprio como mais novo; embora nao ao ponto de me identificar minimamentoe com os miudos excitados que por aqui circulam, de adrenalina em bebedeira. Esta assimetria de perspectiva faz com que me surpreenda quando "eles" me tratam com bem, com abertura e facilidade. Conclusao, nao pareco estar habituado a minha condicao real :)

Tuesday, March 13

Wanaka

Marco 11, 12 e 13




Wanaka e como queenstown deve ter sido. Localizacao bonita a beira de um grande lago, rodeada de montanhas. As montanhas em Wanaka quase que nao sao florestadas, sendo mais agreste, mais remoto e menos "postal" de natal, mas tem a enorme vantagem de ter uma variedade de pistas de ski. Esta muito menos desenvolvido, e bastante mais controlado do ponto de vista arquitectonico, mas dizem-me que os debates andam quentes entre promotores e residentes...

Em Wanaka decidi avancar com uma hipotese para a questao da idade dos turistas: ha turistas jovens eles estao e muito mais concentrados nos principais polos como Queenstown, Wanaka, etc.


Relax, manutencao e afazeres domesticos. Rodei os pneus, ajustei tensao do cabo novo, lavei TODA a roupa, cortei o cabelo, tratei de repor stocks de viveres... Comprei um produto interessante: uma pequena embalagem de azeite em spray, tipo garrafa (e preco) de perfume.

Preocupado com a metereologia e o planeamento da proxima semana:

Contente porque encontrei um pc que permiteforma de transferir fotos directamente da maquina para o blog:

Visitei dois museus, o Fighter Pilots of NZ que contem alguns avioes interessantes sobretudo o Gypsy Moth, e varios Poliarkovs, e o Transport and Toy Museum. Este ultimo sao 4 hangares gigantes que acumulam os "brinquedos" de um so senhor. Tem mais de 500 veiculos: duzias de carros de bombeiros, verdadeiros, motos como BSA e Velocettes, alguns bonitos avioes (Minimax, Auster Autocraft, DH Dove), 3 ou 4 tanques, dezenas de bicicletas e toneladas de brinquedos propriamente ditos. E depois ha os carros que vao desde um velho Skoda a 2 tempos a uma quinzena de DeSoto's e outros bonitos carros americanos do tempo dos gangsters.



Emfim, my kind of culture :)

O tempo estragou-se dia 12 com a chegada da primeira de duas frentes, e estou basicamente entalado. Vou sair amanha, mas as previsoes para os proximos 10 dias sao desencorajantes. O que varia e o tipo de chuva, ou neve, conforme altitude. A unica coisa util e que, depois de amanha, o vendaval podera passar a estar a favor. Como nao posso esperar pelo tempo para sempre, vou comecar a andar tentando aproveitar os bocados menos maus. Nao calha nada bem estar a chegar a zona com maiores intervalos entre sitios povoados.

Se realmente se puser feio demasiado tempo seguido, apanho o autocarro.

Sunday, March 11

Material

Para os que tenham curiosidade quanto as coisas a que me refiro quando falo de carga, tenda etc aqui vao fotografias das malas, da bicicleta carregada e da tenda montada. Grosso modo um alforge tem comida, cozinha e dormida; o outro tem roupa, farmacia, toilette (minimalista...) livros e tralha; o saco azul tem a tenda; o cor de laranja e o camelbak com agua; o pequeno preto debaixo da sela sao as ferramentas e pecas; o preto no guiador sao as pequenas coisas a ter sempre a mao: binoculo, fotos, dinheiro, racao para o dia, lanterna, faca...









1000kms e 1100m!!! Arrowtown - Wanaka; 59.1kms

Marco 10

Os corredores estao a pe cedo, as avos estao nervossissimas e prepararam alimento e material um pouco aos tropecoes. Todo o acampamento e um fervilhar de gente a preparar tralha. E eu, que ja ha uns dias andava preocupado com a minha propria travessia do Crown Range, fiquei facilmente contagiado pela onde de tensao geral. As 09:15 ja estava a pedalar, sem sequer esperar para secar a tenda ao sol que brilhava.

4 kms para aquecer e acordar e la estou a re-encontrar a estrada de Cromwell a Queenstown durante uns breves metros. Mas saio logo para a esquerda onde comeca a famosa rampa que, faco notar, e mais comprida e mais ingreme que a versao todo terreno. Mas como eu estou com rodas muito fininhas e 20kgs de carga, nao posso ir por la. E depois o caminho de terra envolve atravessar uma data de riachos o que nao e practico com malas.

Depois de tanta conversa, com tantos ciclistas encontrados pelo caminho, a coisa afigurava-se cinzenta. A decisao era ou subir tudo logo ali e depois gozar a descer outra vez para o Otago Central ou voltar atras ate Cromwell e seguir a estrada nacional que sai de la. Nao me apetecia nada re-fazer a garganta de Kawarau pelo que tinha-me vindo mais ou menos mentalizando que iria passar um dia de empurrar encosta a cima e ficava feito.

Aquilo sobe em ganchos apertados uns 3 kms, depois fica mais razoavel durante 5kms e finalmente trepa mesmo uns 3.5kms mais as curvas ate ao passe. Pois eu concentrei-me na minha pedalada super lenta, hoje em dia consigo ir ate aos 3,6kmh sem grandes oscilacoes, e a verdade e que doeu um pouco em alguns momentos mais empinados, mas que passou tudo sem empurrar e sem grande sensacao de esforco. Mais uma vez, foi mais uma questao de dosagem e paciencia.


Fui parando para tirar fotografias e esticar e, antes da ultima parte parei para comer um "power gel" que tinha comprado como doping para a ocasiao. As vistas a medida que subia eram fantasticas. Pouco a pouco iam-se revelando os vales que tinha percorrido, e os lagos que tinha passado. Uma hora e meia mais tarde estava feliz la em cima, deslumbrado com a vista de todo o conjunto montanhoso ate Queenstown. Tirei tambem a fotografia obrigatoria da passagem pelos 1108m da estrada alcatroada mais alta da NZ (aqui nao ha duvida que a Serra da Estrela os bate por um km).


E a seguir tinha 40kms de descida gradual pela frente! Enfiei duas camadas de roupa e fui pelo vale do rio Cardrona abaixo como uma flecha contente. O principio e estreitissimo, com as paredes muito chegadas a estrada, cobertas de uma vegetacao densa num verde intenso. A sensacao, era um pouco como cair em queda livre por um corredor em saca rolhas, forrado a broculos gigantes. Ridiculo eu sei.

Parei em Cardrona que tem um pub/hotel restaurado com um jardim muito agradavel onde tomei o meu cafe e decidi que ja agora ia ate Wanaka num so dia.


Quando finalmente a descida me cuspiu em Wanaka ainda era o meio da tarde e entrei num caos monstro e totalmente inesperado. Era o "Agricultural and Produce Show" anual onde havia de tudo: desde concursos de gado, a competicao hipica, passando por stands de maquinas agricolas e carros, equipamento tipo feira popular e toneladas de coisas fritas para comer. Divertidissimo, e ate de bicicleta foi dificil atravessar a cidade. Com o show mais a corrida que comecava deste lado nao tive hipotese de encontrar onde dormir e fui acabar num mocamp onde se encontra sempre espaco para uma micro-tenda.

E pronto, com estes 700m de subida ja-me passou a falta de confianca com os passes kiwis. Mais importante, passei o meio-ponto, pelo menos psicologico, da viagem e comecou o meu regresso. Com 1028kms de viagem feitos, a partir de agora a minha rota tera sempre uma componente norte em direccao a Wellington onde apanharei o aviao. Nao sei e se serao so outros 1,000kms porque ainda nao medi tudo, e tenho ainda varias opcoes de encaminhamento para ir tomando, mas nao interessa. Estou a caminho do norte.

Ou antes, estarei. E que esta um tempo lindo aqui e decidi marcar a ocasiao com um pequeno intervalo de 3 dias. Tenho uns pequenos trabalhos de manutencao a fazer como rodar os pneus, mudar os calcos dos travoes da frente e re-ajustar as mudancas. E depois os proximos 500 - 600kms sao a Costa Oeste. Supostamente a zona mais bonita, menos habitada e selvagem da ilha uma mistura de costa batida, floresta densa e glaciares gigantes. Tem como pequenos senaos que e la que cai a chuva que nao chega ao resto da ilha, exposicao toal aos ventos do oceano pacifico e, pior de tudo, nuvens de sandflies devoradores de humanos. Vou pois procrastinar por aqui uns dias :)

ps. ja consegui passar as minhas fotos ate hoje para um cd o que me vai permitir comecar a inserir fotos minhas no blog em complemento das do Lor. So que demora bastante pelo que vai ser gradual.