Wednesday, March 28

Glenhope - Nelson; 82,5kms

Marco 27 e 28

Mais uma vez, cai na paranoia das conversas sobre as "enormes subidas a vir" com gente de Murchison. Ha duas "selas" para passar logo a seguir ao rio Hope, e isto num dia de 85kms, que segue quatro dias seguidos relativamente cansativos... Resultado, decidi deixar tempo para ir seguro e calmo e ainda nao eram oito da manha ja me tinha posto a andar.



Ate foi bom porque, embora estivesse francamente frio, o sossego foi delicioso, a pedalar devagarinho e sem transito nenhum, ouvindo o "dawn chorus" da passarada kiwi que ainda tem um som exotico para mim. As subidas nao tinham nada de especial, uma era algo mais comprida mas ambas bastante graduais e "possiveis" e as descidas eram enormes e muito divertidas. Daqui para a frente, indo eu para a costa, estava sempre mais ou menos a descer e nao demorei muito ate ter a minha primeira vista da costa norte.


Os "suburbios" de Nelson, para mim uma grande metropole de 40,000 habitantes, sao principalmente compostos de vinhas e quintas de produtores de vinho. Chega a um ponto e o transito comeca a incomodar mas e tambem ai que se entra numa ciclovia que me levou ate ao centro por um caminho sem carros que segue uma antiga linha de comboio. Cheguei pois a Nelson ainda antes das duas e meia da tarde.

O backpacker de Nelson e tambem uma casa, gerida por um casal de canadianos reformados, que puseram metade dos hospedes a cantar, guitarrar e ate havia um percussionista a serio com tambores. Parecia uma sessao de escuteiros para adultos :)

Mantem-se a minha admiracao com o funcionamento civilizado destas "pensoes" em que a sensacao e de se ser hospede em casa de conhecidos, cozinhando, lavando loica etc. E surpreendente como as pessoas se "portam bem": de facto esta sempre tudo arrumado e limpo, nao ha barulho, as conversas sao na maioria agradaveis e interessantes. Esta-se a anos luz do ambiente "caotico" dos albergues dos nossos tempos de interail. E verdade tambem que a idade media de frequentacao e bastante maior, mas mesmo assim e aqui que ficam tambem os jovens.

Como cheguei tarde a cozinha, houve alguem que, estando sozinho, tinha cozinhado para 3 e ofereceu-me o jantar. Vou ter de comecar a fazer isto de forma sistematica :) Um bretao, encantador que estava a trabalhar e fazer windsurf na ilha do norte. Tinha acabado de comprar uma velha bicicleta por 20 euros e decidido ir dar uma volta pelo pais. Em contrapartida estou a tentar arranjar um ou dois pequenos problemas mecanicos dele.

Finalmente, fiz aqui uma pausa enquanto tento organizar dois ou tres dias de kayak. E uma vila simpatica e ando-me a deliciar nas 4 livrarias. E nos cafes. Ha um que tem 5 ou 6 lindas Lambretta's restauradas penduradas na parede. Eu sempre disse que bons scooters sao objectos com valor estetico independente das capacidades dinamicas :)

E pronto, ja so tenho dois dias de estrada entre mim e o ferry para Wellington de onde apanharei o aviao para casa no dia 10. De vez em quando, vem-me a cabeca que tenho de me comecar a mentalizar para um regreso a vida "normal", mas sao pensamentos rapidos e muito fugidios.

Murchison - Glenhope; 44,6kms

Marco 26

A manha nasceu com Murchison, completamente dentro de uma nuvem pesada, e francamente frio. Para dar uma ideia pedalei a primeira hora com uma camisola "tecnica" mais um polar e nao derreti. Foi um dia relativamente curto porque ja so consegui identificar um sitio para dormir entre Murchison e Nelson, que nao acampar na floresta; opcao que tenho andado a evitar porque os sandflies continuam vorazes. Continuei pois a subir a garganta do rio Buller ate que, com as paredes ja perto da estrada, ela vira para um novo vale a nordeste e comeca a subir ao lado do rio Hope.

Aqui o ambiente e cada vez mais euro-alpino, com ainda maior preponderancia de coniferas e mais prados "semeados" de ovelhas e vacas. Devem ser do genero "patas de um lado mais curtas do que as outras" porque aqui as pastagens sao bastante ingremes. Vi bastantes rapinas a cacar incluindo duas que, pela forma de voo, juraria serem da familia das nocturnas. Mas elas nao sao activas durante o dia, ou sao? Nao devia ter deixado a Sofia em casa; a minha guia de campo tem-me feito imensa falta.

Desastre do dia, voltou a senilidade e deixei uma cerveja no frigorifico da casa de Murchison. Furia, andava a carrega-la desde Berlins para acompanhar o jantar! Mas desta vez nao voltei atras.

Pouco depois do inicio do vale do Hope, saio da nuvem e tiro o polar, mas por mais que me esforce a subir, continuo muito confortavel ao sol com a minha camisola de mangas compridas preta! E preciso ter cuidado com o buraco kiwi na camada de ozona; ja tive muitos dias ca em que o sol queima sem aquecer significativamente.



O meu poiso para a noite e uma casinha encantadora a meio de um prado ingreme (quase que cai a empurrar a bicicleta ate a porta...). Os donos sao um casal dos seus trinta anos, ciclistas ferrenhos, que acrescentaram o seu "bikepacker" a agricultura. Como estava sol e imenso vento aproveitei para lavar TODA a roupa que tinha.

Imaginem a sensacao quando, vestido com as unicas duas pecas que nao tinham ido lavar, fui apanha-la ao estendal e nao estava la nada. Obviamente, nao era roubo, mas engano porque ninguem normal teria interesse pelos meus poucos farrapos. Como a unica forma de nao ter toneladas de malas e levar muito poucas mudas de roupa e lavar muito o que, combinado com o desgaste acelerado de viver no exterior, acampar etc, faz com que o desgaste acelere... O meu medo era se nao se desse pelo erro a tempo. Ao fim da tarde la se decobriu que tinha sido uma vizinha que para ajudar os donos da casa, tinha apanhado a roupa deles (e inconscientemente a minha) para que nao se molhasse ao entardecer. Ri-me imenso mas eles ficaram enfiadissimos, e ofereceram-me uma cerveja de reposicao :)

Sunday, March 25

Berlins - Murchison; 65,3kms

Marco 25

Um dia mais duro. Comecei tarde porque nao acordei a horas, em parte por cansaco dos dois dias anteriores, em parte porque acordei de madrugada com comichoes das dentadas dos sandflies.

O tempo esteve bom: frio, mesmo ao sol, e o sol desapareceu a meio do dia, mas sem vento nem chuva. Hoje em dia, a minha definicao de bom tempo e como a do filme escoces: se a chuva nao esta na horizontal, esta tudo bem.

De manha a humidade do rio, fazia bandeiras de bruma engracadas que cortavam a paisagem as fatias. A estrada continuava a subir o rio Buller por entre o labirinto de vales e linhas de agua, com raros "flats" a abrir o horizonte. Resultado bonito com as encostas escarpadas cobertas de vegetacao e agua a pingar, e o rio as voltas ora ao nosso lado, ora la em baixo. Mas dificil para pedalar. O caminho enrodilhado esta sempre a subir e descer o que faz com que nunca chegue a aliviar as pernas, e entrar naquele ritmo suave e constante que e o que faz desaparecer os quilometros num agradavel zumbir de pneus. Passo a vida a trabalhar com as mudancas, de um extremo ao outro, e com as pernas em esforco. Resumindo: moi, e depressa.

Hoje domingo, meio solarengo, a estrada estava cheia, mas cheia, de motos aos enxames. Surpreendente a proporcao de Ducati's ao ponto de me perguntar se seria um rali de alguma especie. Pela primeira vez desde que comecei a viagem, tive uma pontinha de inveja de alguem na estrada, tambem me apeteceu brincar de moto. E particularmente tive saudades daquela tecnica de subida de lombas por simples rotacao do pulso...


Durmo em Murchison, importante centro de pesca desportiva e canoagem de aguas brancas, o que quer dizer que tem um pub, tres cafes, um dairy e um minimercado! Amanha vou dormir numa quinta mais acima. Nao "tem" aldeia mas tem o enorme atractivo de ser o unico sitio onde encontrei forma de dormir abrigado entre aqui e Nelson :) Vou mesmo ficar la duas noites para descansar as pernas antes dos 90kms finais que envolvem passar duas portelas razoaveis antes de finalmente comecar a descida para a costa norte.